... da totalidade das coisas e dos seres, do total das coisas e dos seres, do que é objeto de todo o discurso, da totalidade das coisas concretas ou abstratas, sem faltar nenhuma, de todos os atributos e qualidades, de todas as pessoas, de todo mundo, do que é importante, do que é essencial, do que realmente conta...
Em associação com Casa Pyndahýba Editora
Ano IV Número 57 - Setembro 2013

Releitura - António Nobre

FD Unleashed - The Reaper VI ~ Mathieu Degrotte
António Pereira Nobre (Porto, 16 de Agosto de 1867 ~ Foz do Douro, 18 de Março de 1900), mais conhecido como António Nobre, foi um poeta português cuja obra se insere nas correntes ultra-romântica, simbolista, decadentista e saudosista (interessada na ressurgência dos valores pátrios) da geração finissecular do século XIX português. A sua principal obra, (Paris, 1892), é marcada pela lamentação e nostalgia. Sua produção poética insere-se nos cânones do simbolismo francês. Faleceu aos 32 anos de idade, após uma prolongada luta contra a tuberculose pulmonar.
Quando Chegar a Hora

Quando Chegar a Hora Quando eu, feliz! morrer, oiça, Sr. Abbade,
     Oiça isto que lhe peço:
Mande-me abrir, alli, uma cova á vontade,
     Olhe: eu mesmo lh'a meço...

O coveiro é podão, fal-as sempre tão baixas...
     O cão pode lá ir:
Diga ao moço, que tem a pratica das sachas,
     Que m'a venha elle abrir.

E o sineiro que, em vez de dobrar a finados,
     Que toque a Alléluia!
Não me diga orações, que eu não tenho peccados:
     A minha alma é dia!

Será meu confessor o vento, e a luz do raio
     A minha Extrema-Uncção!
E as carvalhas (chorae o poeta, encommendae-o!)
     De padres farão.

Mas as aguias, um dia, em bando como astros,
     Virão devagarinho,
E hão-de exhumar-me o corpo e leval-o-ão de rastros,
     Em tiras, para o ninho!

E ha-de ser um deboche, um pagode, o demonio,
     N'aquelle dia, ai!
Aguias! sugae o sangue a vosso filho Antonio,
     Sugae! sugae! sugae!

Raro têm de comer. A pobreza consome
     As aguias, coitadinhas!
Ao menos, n'esse dia, eu matarei a fome
     A essas desgraçadinhas...

De que serve, Sr. Abbade! o nosso pacto:
     Não me lembrei, não vi
Que tinha feito com as aguias um contrato,
     No dia em que nasci.

António Nobre, in 'Só (Paris, 1892)